sexta-feira, 26 de julho de 2013

Prefeitura de Porto Alegre troca seis por "meia dúzia" e prossegue com os despejos da Copa

Matéria do Portal Sul 21


Cinco famílias são retiradas de Santa Tereza para que local receba removidos da Avenida Tronco

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Na tarde da última quinta-feira (25), cinco famílias foram removidas da Rua Santa Cruz, no bairro Santa Tereza. Prefeitura alega que local receberá removidos da Avenida Tronco | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Iuri Müller
No dia seguinte, o chão ainda exibia rastros de paredes derrubadas, de móveis que ficaram para trás. Perto de um televisor antigo, era possível enxergar uma carta de amor com caligrafia adolescente. Na última quinta-feira (25), cinco famílias foram removidas da Rua Santa Cruz, no bairro Santa Tereza. A Prefeitura de Porto Alegre informa que o local servirá para reassentar moradores da Avenida Tronco, retirados da Vila Cruzeiro por conta da duplicação da via, uma das obras que integram as modificações urbanas para a Copa do Mundo de 2014.
Na tarde desta sexta-feira (26), Evandro Carvalho dos Santos voltou ao lugar em que, na véspera, as máquinas derrubaram cinco casas em poucos minutos. Evandro era um dos moradores da área que, há décadas, abrigava também um terreiro religioso de matriz africana. O terreno ainda estava no nome da antiga proprietária, a já falecida Marcelina Martins – conhecia no bairro como Mãe China de Ogum. Quatro das cinco famílias, segundo o Departamento Municipal de Habitação (DEMHAB), haviam deixado o local previamente e optado pelo aluguel social.
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“A verdade é que fomos postos para correr de onde morávamos”, afirma morador | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Uma delas, no entanto, preferiu permanecer. O diretor-adjunto do DEMHAB, Marcos Botelho, afirmou que “não foi a Prefeitura de Porto Alegre que escolheu a área da (rua) Santa Cruz para reassentar as famílias removidas pelas obras da Copa”. Segundo Botelho, a indicação partiu de líderes comunitários da região, formada por bairros como Cristal, Glória e Vila Cruzeiro. O advogado Onir Araújo, que auxiliou as famílias no processo de desapropriação, disse que “há vários terrenos vazios, já desapropriados, para reassentar as famílias da Avenida Tronco”. Segundo Araújo, a Prefeitura ainda não começou a construir nenhuma das moradias prometidas.
Antes de ser levada a cabo a remoção na tarde desta quinta-feira, o Comitê Popular da Copa afirmou ter indicado outros dezessete possíveis locais para receber os moradores da Vila Cruzeiro. A Prefeitura afirma que vinha negociando com as famílias da Rua Santa Cruz. “Houve diálogo e reuniões na Câmara de Vereadores. Quatro famílias optaram pelo aluguel social, outra disse que ficaria na área por questões partidárias”, disse Marcos Botelho.
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Quatro das cinco famílias, segundo o Departamento Municipal de Habitação (DEMHAB), haviam deixado o local previamente e optado pelo aluguel social | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Os herdeiros da antiga proprietária serão indenizados, segundo o DEMHAB, em um valor próximo a R$ 530 mil pela desapropriação. Para Evandro Carvalho dos Santos, o montante é muito menor do que o real valor do terreno – próximo a grandes casas do bairro Santa Tereza. O antigo morador do local se queixou do tratamento recebido no dia remoção. “Eles chegaram perto das nove horas da manhã e nos disseram que tínhamos três horas para sair de casa. Não houve conversa, estavam prontos para agir”, conta.
Onir Araújo questiona também a velocidade com que ocorreu a remoção: “por que a pressa para desapropriar aquelas cinco famílias negras, com um assentamento religioso de matriz africana dos mais antigos de Porto Alegre, num lugar em que está cheio de mansões por perto?”. Para o advogado, o episódio “foi a expressão categórica do racismo” do poder municipal. Por volta das quatro horas da tarde desta sexta-feira, moradores de ruas próximas caminhavam pelo terreno, já completamente desabitado, e procuravam por objetos e materiais que pudessem servir para as suas casas.

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